AFONSO LOPES VIEIRA
[N. Leiria, 1878 - m. Lisboa, 1946]
Filho de um advogado, cursou Direito em Coimbra de 1895 a 1900 e praticou a advocacia em Lisboa. Em 1902 encontra-se a exercer o cargo de redactor da Câmara dos Deputados. Em 1916 passa a dedicar-se exclusivamente à literatura, empenhando-se num admirável esforço de divulgação e valorização de obras e escritores clássicos portugueses, aqueles que de acordo com o seu nacionalismo esclarecido, melhor traduzem o espírito e a sensibilidade lusitanos. Não foi por certo alheio a este voluntário apostolado cultural o facto de Afonso Lopes Vieira ter pertencido a uma geração de homens animados por ideais renascentistas, homens para quem literatura e Pátria eram realidades conaturais, a uma cabendo uma missão orientadora e sendo a outra uma entidade fundamentalmente espiritual e linguística.
Afonso Lopes Vieira contribuiu profundamente para o fortalecimento do nosso património literário e cultural ao promover o gosto pelo teatro vicentino, adaptando algumas peças (Monólogo do Vaqueiro, Auto da Barca do Inferno) e proferindo diversas conferências (A Campanha Vicentina. Conferências & Outros Escritos, 1914), ao restituir à língua portuguesa duas obras que corriam em versão castelhana, o Amadis de Gaula (O Romance de Amadis, 1922) e a Diana de Montemor (A Diana de Jorge de Montemor em Português, 1924) ao interessar-se por uma edição nacional dos Lusíadas, com a reprodução do texto da edição princeps de 1572, e por uma edição crítica da Lírica, ao escrever livros de comovida singeleza para crianças e adultos, ilustrados e musicados por artistas como Raul Lino e Tomás Borba (Animais Nossos Amigos, 1911; Bartolomeu Marinheiro, 1912; Poesias sobre as Cenas Infantis de Shumann, 1915). Nomes como os de Francisco Rodrigues Lobo e João de Deus suscitam-lhe igual atenção, tendo seleccionado, anotado e prefaciado parte das suas obras (Poesias de Francisco Rodrigues Lobo, 1940; Corte na Aldeia de Francisco Rodrigues Lobo, 1945; O Livro de Amor de João de Deus, 1921).
Mas a importância de Afonso Lopes Vieira na história da nossa literatura não se resume a esta actividade intensa de investigador, divulgador e animador cultural. Também foi poeta e prosador. Como poeta colaborou com outros neo-românticos na primeira série da revista A Águia (1911). Teixeira de Pascoaes dá como exemplo da «nova poesia portuguesa» um livro seu, Canções do Vento e do Sol, publicado em 1911. Mas já antes, em 1905, ele provara uma inclinação, aliás muito em voga neste período, pela literatura de tradição sebastianista, com a escolha de O Encoberto para título de um poema (um ano antes de Sampaio Bruno publicar um livro com o mesmo título e em 1902 ter vindo postumamente a público o poema sebastianista O Desejado, incluído no livro Despedidas de António Nobre). O sebastianismo viria a tornar-se um dado essencial para a vivência do grupo da Renascença Portuguesa. Como a de outros saudosistas, a poesia de Afonso Lopes Vieira é evocativa (de pessoas, lugares, tradições e lendas), especialmente voltada para a exploração de temas nacionais e para a glosa de formas e ritmos tradicionais, de origem culta e popular. Acusa, no entanto, uma invulgar consciência estética, pouco comum na poesia que então se praticava, patente desde logo no apuro da forma e do estilo e no modo como o poeta explora a possibilidade de encontro da sua voz com a de outros poetas nacionais (as de Bernardim e Camões, por exemplo). Como prosador, os títulos das suas obras são por si esclarecedores do interesse que sempre demonstrou pelos assuntos nacionais: tratamento de temas da tradição histórica e literária (Inês de Castro na Poesia e na Lenda, 1913; A paixão de Pedro o Cru, 1940); problemática em torno da nossa arte (A Poesia nos Painéis de S. Vicente, 1914; O Canto Coral e o Orfeão de Condeixa, 1916); indagação do nosso ser e espiritualidade (Em Demanda do Graal, 1922; Nova Demanda do Graal, 1942).
O nacionalismo tradicionalista de Afonso Lopes Vieira não se reconhece no Integralismo Lusitano da Nação Portuguesa, a cujo órgão o seu nome anda ligado por nele ter desempenhado breves funções directivas, mas tão pouco se impõe como um nacionalismo conservador junto do Grupo da Biblioteca Nacional, ao qual o escritor pertence, com Jaime Cortesão, António Sérgio, Aquilino Ribeiro e Raul Proença. O seu nacionalismo assentava na ideia de «reaportuguesar Portugal, tornando-o europeu», para o que contribuiu, quer como cidadão esclarecido (opôs-se ao regime de ditadura saído do golpe militar de 1926), quer como erudito inspirado (criou, traduziu, adaptou, proferiu conferências, participou em campanhas de civismo estético), quer ainda como homem viajado (visitou a Espanha, França, Bélgica, Itália, Norte de África, Angola, Brasil) que soube criar uma atmosfera de sadio cosmopolitismo no pequeno círculo intelectual da sua casa de São Pedro de Muel.
Dicionário Cronológico de Autores Portugueses