BIBLIOGRAFIA ACTIVA
Em vida, além d'Os Lusíadas, Camões publicou apenas três composições. A primeira é uma ode laudatória, escrita na índia e dedicada a Garcia de Orta («Aquele único exemplo»), que aparece nos Colóquios dos Simples e Drogas (Goa, 1563). As outras duas peças - a elegia «Depois que Magalhães teve tecida» e o soneto «Vós ninfas da gangética espessura» - saíram na História da Província de Santa Cruz (Lisboa, 1576), de Pêro de Magalhães de Gândavo.
Até 1685, data em que a segunda biografia de Camões, de Faria e Sousa, veio a lume, incluída apenas nalguns exemplares das Rimas Várias (Lisboa, 2 tomos), ignorou-se a existência do que ele chamou outra edição d' Os Lusíadas, saída no mesmo ano de 1572. Faria e Sousa notou a diferença de portadas. Na que era então conhecida, o pelicano está voltado para a esquerda do leitor; na que ele encontrara, o pelicano está voltado para a direita. Faria e Sousa entendeu que a edição princeps era a segunda, por ser ela a mais imperfeita, no que foi seguido pelo morgado de Mateus em 1817. Modernamente, muitos camonologistas, na esteira de Costa Pimpão, aceitam que a verdadeira edição princeps é a que apresenta o pelicano voltado à esquerda. Em 1980, B. Xavier Coutinho chamou a atenção para uma terceira edição, saída em 1572, ainda que incompleta, por não dispor do frontispício, nem do privilégio de impressão, que teria o pelicano voltado para a direita, conforme se depreende do sétimo verso da primeira oitava, na qual se notam muitas diferenças, quando comparada com as outras duas.
O problema da edição princeps continua e continuará ainda por resolver, enquanto não se examinar a primeira edição d' Os Lusíadas, como já sugeriu Jorge de Sena, à luz do critério que adoptou Charlton Hinman para o first folio das obras completas de Shakespeare. A colação de dezenas de exemplares feita por Hinman revelou inúmeras discrepâncias entre elas. Essas discrepâncias não provêm de sucessivas reimpressões da obra, mas, sim, do modo casual em que cada compositor compunha, imprimia e corrigia as diversas folhas que formavam o livro completo, independentemente da fase de revisão a que pertencessem. Era este o modo de composição e impressão nos séculos XVI e XVII, como o confirmam plenamente investigações similares que, no domínio da textologia, se têm feito para outras obras editadas naquele período.
A obra lírica de Camões apresenta igualmente complexos problemas editoriais, já que o Parnaso de Luís de Camões, em que ele trabalhava, lhe foi roubado e as edições que dele conhecemos são todas edições póstumas. As Rimas (Lisboa, 1595) são a primeira edição da lírica, feita a partir de cancioneiros manuscritos, que, não obstante o cuidado de Fernão Rodrigues Lobo Soropita, seu organizador anónimo, contém imperfeições graves e se encontra incompleta. Dela saiu uma segunda edição (Lisboa, 1598) em que subsistem erros. O cânone da lírica continua ainda por estabelecer, apesar do magnífico labor realizado pela crítica contemporânea. O critério actual para lograr esse objectivo é aquele que, no fim do século XIX, W. Storck e D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos haviam preconizado: o estudo dos cancioneiros manuscritos já conhecidos e a procura de outros, porventura existentes, para determinar a autoria das composições e fixar uma norma editorial fidedigna. Ora este trabalho não está concluído. E, na situação provisória em que se encontram as edições camonianas, a edição das Rimas (Coimbra, 1973), preparada por A. J. da Costa Pimpão, é a que nos oferece mais segurança
Das edições póstumas, o teatro de Camões foi a primeira obra a aparecer, incluído no volume Primeira Parte dos Autos e Comédias Portuguesas (Lisboa, 1587), onde a maior parte cabe a António Prestes. Também aqui os problemas editoriais são dedicados. Foi um certo Afonso Lopes, moço da capela real, que viu no projecto um meio de auferir alguns cobres, que organizou a edição. Os dois autos-comédias, Anfitriões e Filodemo, figuram na colectânea como da autoria do poeta, nada se sabendo, porém, do texto que lhes serviu de base. Que a censura inquisitorial exerceu cuidadosa vigilância não há hoje dúvida, porque no Cancioneiro de Luís Franco Correia, 1557-1589, em manuscrito, se encontra uma versão do Auto de Filodemo (fol. 269r-286v), que é muito mais ousada na crítica institucional e dos costumes do que a do texto publicado. De acordo com a informação exarada no Cancioneiro, pode inferir-se que o auto foi levado à cena em Goa, por altura dos festejos que, em 1555, assinalaram a investidura de Francisco Barreto no largo de governador, cujas funções desempenhou sem interrupção até 1558.
A epopeia camoniana, baseada literalmente na viagem de Vasto da Gama à Índia (1497-1498), é um poema de grande complexidade estética, onde a crítica moderna tem visto não apenas a história do povo lusíada e da aventura humana, empenhada na devassa da natureza, mas a jornada arquetípica de uma alma, que se descobre individualmente e busca na memória colectiva a efectividade de valores, posta à prova pela exigência dos tempos. Os Lusíadas passam a ser encarados como uma obra plurissignificante. E a voz do poeta, que na epopeia se faz ouvir, ganha novas dimensões na lírica, onde a torturante exploração da subjectividade, do amor e do conhecimento atinge a maior altura, fazendo de Camões indiscutivelmente um autor de estatura universal.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, volume I.