MOTE ALHEIO

Triste vida se me ordena,
pois quer vossa condição
que os males, que dais por pena,
me fiquem por galardão.

GLOSA PRÓPRIA

Despois de sempre sofrer,
Senhora, vossas cruezas,
apesar de meu querer,
me quereis satisfazer
meus serviços com tristezas.
Mas pois embalde resiste
quem vossa vista condena,
prestes estou para a pena;
que, de galardão tão triste,
triste vida se me ordena.

De contente do mal meu,
a tão grande extremo vim
que consinto em minha fim;
assi que, vós e mais eu,
ambos somos contra mim.
Mas que sofra meu tormento
sem querer mais galardão,
não é fora de razão
que queira meu sofrimento,
pois quer vossa condição.

O mal que vós dais por bem,
esse, Senhora, é mortal;
que o mal que dais como mal,
em muito menos se tem,
por costume natural.
Mas porém nesta vitória,
que comigo é bem pequena,
a maior dor me condena
a pena, que dais por glória,
que os males, que dais por pena.

Que mor bem me possa vir
que servir-vos, não o sei.
Pois que mais quero eu pedir
se, quanto mais vos servir,
tanto mais vos deverei?
Se vossos merecimentos
de tão alta estima são,
assaz de favor me dão
em querer que meus tormentos
me fiquem por galardão.

Luís Vaz de Camões
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