A ũa senhora a quem deram pera ũa filha sua um pedaço de cetim amarelo, de quem se tinha suspeita.


Se derivais de verdade
esta palavra Sitim,
achareis, sem falsidade,
que após o si, tem o tim,
que tine em toda a cidade.
Bem vejo que me entendeis;
mas, por que não fale em vão,
sabei que a esta nação
tanto que o si concedeis
o tim logo está na mão.

E quem da fama se arreda
que tudo vai descobrir,
deve sempre de fugir
de sitins, porque da seda
seu natural é rugir.
Mas pano fino e delgado,
qual raxa e outros assi,
dura, aquenta e é calado,
amoroso, e dá de si
mais que sitim nem borcado.

Mas estes, que sedas são,
com quem s' enganam mil damas
mais vos tomam do que dão:
prometem, mas não darão
senão nódoas para as famas.
E se não me quereis crer
ou tomais outro caminho,
por exemplo o podeis ver,
quando lá virdes arder
a casa de algum vizinho.

Ó feminina simpreza.
donde estão culpas a pares,
que, por um Dom de nobreza,
deixam dões de natureza
mais altos e singulares!
Um dom que anda enxertado
no nome, e nas obras não!...
Falo como exprimentado,
que sitim desta feição
eu tenho muito cortado.

Dizem-me que era amarelo;
a quem assi o quis dar,
só para me Deus vingar,
se vem à mão, amarei-lo,
o que eu não posso cuidar.
Porque quem sabe viver
por estas artes manhosas
isto bem pode não ser:
dá a mininas fermosas
somente polas fazer.

Quem vos isto diz, Senhora,
serviu nas vossas armadas
muito, mas anda já fora;
e pode ser que inda agora
traz abertas as frechadas.
E, posto que desfavores
o tiram de servidor,
quer-vos ventura milhor;
que, dos antigos amores,
inda lhe fica este amor.

Luís Vaz de Camões
[SE DERIVAIS DE VERDADE]
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