Er'alto, muito alto. Outr'ora, verdejante,
Viveu num pinheiral; foi um pinheiro. Tinha
No tronco erguido ao ar, ramagem, muita pinha,
E a seiva percorria o corpo do gigante.

Se o rapazio da vila, a chilrear, trepava
Pelos seus ramos, ele - avô bonacheirão -
Em vez de se zangar, até os ajudava,
De forma que nenhum vinha parar ao chão.

Em suma era feliz. Robusto, resistia
Ao vento, ao sol, à chuva, à neve, à tempestade;
Mas como nunca é eterna a f’licidade,
A golpes de machado ele tombou um dia.

Hoje é um poste liso. É esguio, é feio e forte,
Não tem vida nem seiva. Imóvel está ali
À beira dum trigal... Que triste a sua sorte
A árvore tornou-se em um imenso I...

No topo ele sustenta os fios da longa meada
Que, entrelaçando o mundo, ao mundo as novas leva:
«Paris 8, manhã: - Rostand doente. Neva.»
«Belgrado 22: - A Sérvia revoltada.»

As notícias banais e as novas d'importância;
Inventos, revol'ções, catástrofes e guerras;
Nos fios circula tudo. Os homens, numa ânsia,
Informam-se e assim 'stão perto as longes terras.
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Humildes postes, sois os fortes sustentáculos
Do aéreo condutor da vida universal;
A cobra gigantesca, o polvo colossal
Que mesmo no deserto alastra os seus tentáculos.

Se para vós eu olho, esvai-se o horizonte,
A terra não tem fim... Caminho para a frente...
Um monte está ali... A vista salta o monte...
Percorro todo o mundo imaginariamente!...

Transporto-me a Paris. Passeio no boul'vard;
Num cabaret qualquer, pândego com cocotes...
Em Petersburgo estou. Niilistas aos magotes,
Escoam-se na sombra e tramam contra o Czar...

Atenas visitei... Nos ringues de Viena,
Me pavoneio agora... A Roma chego já...
Mas a Europa a mim parece-me pequena...
Vou a Jerusalém... Diviso o Sahará...

Ah! como te agradeço, ó rede telegráfica!
Viajo sem vintém, graças a ti somente...
Em menos dum minuto e muito facilmente,
Eu sei-me transportar da Oceania à África!...


Os fios não servem só p'ra minha fantasia
Por eles encanada, absorta viajar;
Também não servem só de noticiosa via:
Os pássaros nos fios costumam descansar.

E então que belo quadro! À luz do sol poente
Esfuma-se no ar uma fileira alada...
Num voo lasso desce e ei-la empoleirada
Entoando num cicio um cântico dolente.

Na intenção genial, o que aprecio mais
Não é o que aproveita ao monstro «Humanidade»,
No socorro prestado a pobres animais,
Só nisso, é que eu encontro alguma utilidade.

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O fio serve de poiso à ave fatigada,
E o poste com saudade e com melancolia,
Recorda o pinheiral: Na sua ramaria
Pousava muita vez então a passarada.

Começa a recordar... Recorda toda a vida:
A terra em que nasceu... o velho rachador...
A sua netazinha, esperta e tão garrida...
O grande amor q. teve a essa rósea flor...

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...Por isso quando vejo em noites de luar,
No macadam da estrada, a esguia silhueta
Dum poste magrizela, eu sinto-me poeta
E dos meus versos bano o chocho verbo «amar»...

 


Lisboa, julho de 1910
Mário de Sá-Carneiro
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