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Ela era rainha destronada.. Vivia no jardim dum palácio sempre à hora do poente. (Assim eu a via, se fechava os olhos e estava triste). O seu desterro estava cheio de sonhos e de flores. Mas o próprio jardim era antiquíssimo, amarelado, Pálido como □ Era ali que a rainha passava os seus poentes sem dia. E tudo isto num reino que nunca houve.
Estou defronte do espelho e não consigo Compenetrar-me da minha realidade definitiva. Olho-me, e o estrangeiro que está diante de mim Chegou dum país do outro lado do espelho, E quando anda em direcção a mim não anda no espaço... Fecho os olhos, fito o espelho... O estrangeiro desapareceu...
A tua voz reflecte na minha ideia de espelhos Alcovas ao crepúsculo.. Falas de não sei que tristezas... A tua voz é plana Vertical à minha espiritualidade que te não ouve... E a mão com que se aparta o reposteiro não pertence À imperfeição das mãos que apertam as nossas no mundo...
Sombras das árvores.. Perfume das flores... Riso frio dos rios... Fecho os olhos e a vida Cai do meu pensamento Como uma cousa pesada na água Que chega e se afunda.
Estendo a mão na noite. Não encontro o que procuro. Mas eu não procurava nada. Estendi a mão para ver se estendendo-a ao acaso, Alguma cousa de Deus vinha ter com o meu gesto, Com o meu gesto triste que implora auxílio na noite... Mas Deus está dentro do meu gesto como numa caixa de □ E não me pode tocar e confortar-me da alma.
É alta noite e há na rua passos de duas pessoas Que passeiam juntas. O som dos passos é o de quem volta para casa. Oiço falar as duas pessoas. São dois homens. Oiço-os contar toda a tristeza da vida. Ah que angústia! Mas os homens que passam na rua não trocaram palavra. Não ouvi mais que os seus passos, e as suas vozes era isso. A tristeza dos passos na noite, nas ruas desertas. É uma outra cidade, numa outra época, hoje...
[c. 15-4-1915]
In Poesia 1902-1917
, Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005
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