I
Muito ruído e pó, e muito escuro!
É disso que se vestem…
É desse ar que respiram e que vivem…
Salamandras da sombra!
Chamam-se Bispos, Reis, Imperadores,
Altos, Grandes e Ricos!
Pairam sobre uma nuvem sobranceira,
E sobre as nossas frontes!
Agitam-se, revolvem-se, remexem-se…
Ferem os grandes ecos…
Enchem de bulha e pasmo o universo…
Põem terror e espanto!
Alevantam o pó de toda a estrada…
E agitam toda a onda!
Têm o ceptro, a tiara, a espada, a bolsa…
Mandam nos corpos todos!
Vê-os passar a gente, como uns astros,
E abaixa ao pó a fronte,
Com medo de ser visto e que se abrase
No rabo do cometa!
II
Pois bem! Grandes, Altivos, Poderosos,
E Cometas da altura,
E Senhores da terra e Semideuses…
Vós sois o pó e o nada!
Atroadores! o ruído imenso,
Com que abalais o mundo,
É apenas fracasso e pó e estrépito
Da casa que se alui!
III
O espanto, que espalhais, não vos pertence…
Não é a vossa força.
É o tremor do solo, é o presságio
Do grande terramoto!
É o voo da asa poderosa
D’aquela águia cruenta,
Que vos há-de abater, precipitando-vos
Co’a face contra o solo!
É o eco longínquo das revoltas!
É o grande rebate!
É o seio do povo, que concebe
Um feto monstruoso!
É a desilusão! são as escamas
Caindo desses olhos,
Ao ver de perto os ídolos antigos…
E achando-os terra e barro!
O nascer da esperança nesses cérebros,
Que nem dela sabiam!
Modo estranho de olhar o horizonte,
Ao ver os astros novos!
É a onda, que sobe dos abismos
E põe à luz a coma…
Que abala… mas que vem lavando tudo…
E se chama Justiça!
São as vozes, que o ar pávido escuta,
Que nunca ouvira dantes!
E aos ecos do espaço em vão pergunta
De donde aquilo sobe!
É a Revolução! a mão que parte
Coroas e tiaras!
É a Luz! a Razão! é a Justiça!
É o olho da Verdade!
IV
Quem foi que disse aos povos estas coisas?
Quem foi que disse ao Servo
Que Deus, quando o criou, no seu registo
Lhe pôs o nome de Homem?…
E disse que o viver é lei de todos,
E não só de alguns poucos?
Para tudo beber, o mar? e a terra
Soco da estátua humana?
Qual é a mão intrépida, que arranca
De sobre os olhos d’eles
A venda negra, que amarrara, há séculos,
A mão do sacerdócio?
Quem é que diz às faces, há mil anos,
Curvadas sobre a terra,
— “Erguei-vos para o céu! o céu é vosso!
É essa a vossa herdade!” —?
V
Quem foi? fostes vós mesmos! Impelida
Por força que não víeis,
A vossa mesma mão foi escrevendo
Sua própria sentença!
Trabalhais! e mal vedes que trabalho!
Sois as rodas da máquina
Que a si mesma se está esmigalhando!
E, Reis e Sacerdotes,
E Levitas do mundo! sois vós mesmos
Que abris a grande Porta,
Por onde há-de ruir o mundo todo
No vosso templo egoísta,
E deitar, sob o altar, as cruzes todas,
E beber regalado
Esse néctar da vida — a Liberdade —
No vosso cálice santo,
E esmigalhar, co’a fronte do levita,
A fronte do seu ídolo!
Vede o que há-de sair do horrível choque
De santo contra santo!
VI
E sabeis vós porquê? Por pouco… apenas,
Porque o Deus da história
Traduziu, numa lauda do seu livro,
A tradução estranha,
Que diz, em vez de rei — lobo e tirano —
E em vez de sacerdócio,
— Serpente, que se enrosca ao mundo todo —
E, em vez de rico — egoísta —
E ajuntou senhor e escravo, ambos
Nesta palavra — Homem —
E casta e privilégio, traduziu-as
Ambas por — Igualdade —
E, em vez de templo estreito, pôs — espaço
Imenso e infinito —
E, em vez de rio, mar! e, das migalhas
Fez um grande banquete!
E à terra e ao homem, ambos condenados
À fixidez do mármore,
Deu um sopro gigante, baptizando-os
Com um nome — Progresso — !
VII
Por isso os vossos tronos se racharam
E as cruzes vão rolando
E as libras se derretem como gelo…
E foi por isto, apenas!