Quem poderá passar tão triste vida?
Quem não espera já contentamento
senão quando de todo for perdida?

Quem poderá sofrer tão grão tormento,
tão áspero, cruel, tão duro e forte?
Quem, morta a esperança e sofrimento,

quem pode imaginar tão dura sorte
que faz crecer o mal continuamente,
e, por não dar remédio, não dá a morte.

Quem há enfim tão triste e descontente
que sempre ande o passado imaginando,
e em aborrecimento do presente?

Se lá onde tu estás vês qual ando,
Senhora, e o nosso amor inda lá dura,
bem creio que meu mal estás chorando;

que faltando-me a tua formosura
e a tua alegre e doce companhia,
bem vês qual será minha desventura.

Tudo já me entristece: a noute e o dia.
E o que mais me atormenta é a lembrança
do bem que noutro tempo possuía.

Já perdi de cobrá-lo a confiança;
e com isto perdi de ser contente.
Camanho mal é a falta de esperança!

Se lá nessa outra vida se consente
sentir-se o mal que cá se anda passando,
Senhora minha, o meu não vos atormente.

Porque segundo me ele vai tratando
e o desejo de ver-te da outra parte
já para ti me vai encaminhando.

Perto me vejo já de ir a buscar-te;
entretanto te baste esta certeza,
porque a mim só me basta contemplar-te.

Ali se acabará nossa tristeza:
Amor acabará de atormentar-nos;
Não terá ali lugar sua crueza;
mas tê-lo-emos nós para alegrar-nos.

 

Luís Vaz de Camões
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