Carta minha tão ditosa,
pois que chegarás a ver
o que eu não, dou-te a entender
de minha vida penosa
o que lhe podes dizer.

Quero que vás instruída
para poder falar lá:
pede bem, dar-me-ás vida,
que em seres bem respondida
todo o meu remédio está.

Humildade e reverência
convém nesta parte teres;
basta-te humilde a mim veres
para tu, que és dependência
minha, humilde também seres.

Já que me vás remediar
se necessário me for,
chora lá por alcançar:
fica à conta do chorar
e em conto de minha dor.

«Senhora, – dirás chorando -
sou cá mandado de quem
não quer mais que só o bem
d'estar sempre contemplando
no que de vós junto tem.

Não fora nunca atrevido
a cometer tal empresa,
dizendo, dela esquecido:
«Basta-me a mim ser perdido
por uma tão grande beleza.»

Mas Amor, que viu estar
tão engolfado na pena,
disse: «Assi hás-de penar,
sem quereres aplicar
sequer remédio de pena.

Põe-te logo a escrever
para aquela que te cansa,
sem te faltar que dizer;
eu prometo de te ser
em tudo inteira lembrança.»

Pois ele, vendo de Amor
um tão grande oferecimento,
faz de mim embaixador,
com a pena de sua dor
escrevendo seu tormento,

dizendo: «Senhora minha;
lá onde quer que ora estais,
como podeis ser mezinha
desta vida tão mesquinha,
com um só sim que digais!

Um sim digo de contente,
que por vós feneça, amando;
de modo que saiba a gente
que me dais vida, penando
num vagaroso acidente.

Quem souber que por vós mouro...
que melhor sorte quero eu?
Quem teve mor bem por seu?
Que quero eu mor tesouro
que morrer pelo bem meu?

Macias, o namorado,
teve que era glória
na morte ter estampado,
até ser alanceado,
o nome de sua senhora.

Só quero que de em diante
se saiba que sois servida
de quem por vós perca a vida:
que não houve nunca amante
que a dê por melhor perdida.

Que é tão grande o bem de amar-vos,
suposto que muito peno,
que inda cuido que é pagar-vos
pouco, e que sacrificar-vos
a vida é prémio pequeno.

Assi que para esperar,
Senhora, de vós favor,
não me acho merecedor;
que enfim se vem a pagar
meu amor c'o mesmo amor.

Um só, que de vós proceda,
mereço, pois me perdi,
e é que nunca suceda
que algum outro se conceda
o que se nega a mim».

 

Luís Vaz de Camões
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