Dorme, criança, dorme
Dorme que eu velarei;
Sozinho na noite enorme
Dum conto me lembrarei
Que depois — dorme, criança, dorme —
Cantando te contarei.
Era um céu negro e imenso
E em baixo um mar sem fim
Um horror frio e disperso
E uma voz descia dentro em mim
Sobre o mar, sobre o mar imenso
Chorando dizia assim:
«Cai lentamente o pranto,
Resvala para o chão,
E eu choro, mas fico no entanto
Na mesma solidão
Com(o) o silêncio amargo do pranto —
No fundo do coração.
Sonhei que me amaria
Um espírito do luar
Que morrendo eu encontraria
Ao pé de mim a sonhar
E agora choro noite e dia
Sobre as ondas deste mar.
Chamo qual se saudade
Homem do sempre-além
Mas apenas na soledade
Minha voz vai e vem.
Andei, passei chorando
Chorando há muito vou
Cesse o ardor vago e brando
De quem muito sonhou
Mas só a si triste e chorando
A minha alma se encontrou.
Me sinto em mim um soluço
Pesadelo d’amargor
O abismo eterno em que me debruço
É a eternidade sem amor...
E assim, com um soluço
Esvai-se de vez a dor.
Quando fores grande — dorme! —
Este conto contarei...
Por ora na noite enorme
Enquanto te embalarei
Ignora tudo, criança, dorme,
Dorme que eu velarei...