|
[1.] Paira no ambíguo destinar-se Entre longínquos precipícios A ânsia de dar-se preste a dar-se Na sombra maga entre suplícios, Roda dolente do parar-se Para, velados sacrifícios, Não ter terraços sobre errar-se Nem ilusões com intersticíos, Tudo velado e o ócio a ter-se De leque em leque, a aragem fina Com consciência de perder-se, Tamanha a fiava e pequenina Pensar na mágoa japonesa Que ilude as sirtes da Certeza. [2.] Dói viver, nada sou que valha ser. Tardo-me porque penso e tudo rui. Tento saber, porque tentar é ser. Longe de isto ser tudo, tudo flui. Mágoa que, indiferente, faz viver. Névoa que, diferente, em tudo influi. O exílio nada do que foi sequer Ilude, fixa, dá, faz ou possui. Assim, nocturna a árias indecisas, O prelúdio perdido traz à mente O que das ilhas mortas foi só brisas, E o que a memória análoga dedica Ao sonho, e onde, lua na corrente, Não passa o sonho e a água inútil fica. [3.] Análogo começo, Uníssono me peço, Gaia ciência o assomo — Falha no último tomo. Onde prolixo ameaço Paralelo transpasso, O entreaberto haver Diagonal a ser. E interlúdio vernal, Conquista do fatal, Onde, veludo, afaga A última que alaga. Timbre do vespertino, Ali, carícia, o hino Outonou entre preces Antes que, água, comeces. [4.] Doura o dia. Silente, o vento dura. Verde as árvores, mole a terra escura, Onde flores, vazia a álea e os bancos. No pinhal erva cresce nos barrancos. Nuvens vagas no pérfido horizonte. O moinho longínquo no ermo monte. Eu alma, que contempla tudo isto, Nada conhece e tudo reconhece. Nestas sombras de me sentir existo, E é falsa a teia que tecer me tece.
24
-
9
-
1923
In Poesia 1918-1930
, Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005
|