Ó triste, ó tenebroso, ó cruel dia,
amanhecido só para meu dano,
pudeste-me apartar daquela vista,
por quem vivia com meu mal contente.
Ah! se o supremo foras desta vida,
que em ti se começara a minha glória!
Mas como eu não naci para ter glória,
senão pena que creça cada dia,
o Céu me está negando o fim da vida
por que não tenha fim com ela o dano;
para que nunca possa ser contente,
da vista me tirou aquela vista.
Suave, deleitosa, alegre vista,
donde pendia toda a minha glória,
por quem na mor tristeza fui contente:
quando será que veja aquele dia
em que deixe de ver tão grave dano,
e em que me deixe tão penosa vida?
Como desejarei humana vida,
ausente de ũa mais que humana vista,
que tão glorioso me fazia o dano?
Vejo o meu dano sem a sua glória;
à minha noite falta já seu dia;
triste tudo se vê, nada contente.
Pois sem ti já não posso ser contente,
mal posso desejar sem ti a vida,
sem ti já ver não posso claro dia;
não posso sem te ver desejar vista;
na tua vista só se via a glória,
não ver a glória tua é ver meu dano.
Não via maior glória que meu dano,
quando do dano meu eras contente;
agora me é tormento a maior glória,
que pode prometer-me Amor na vida;
pois tornar-te não pode à minha vista,
que só na tua achara a luz do dia.
E pois de dia em dia cresce o dano,
não posso sem tal vista ser contente;
só com perder a vida acharei glória.