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Tragam-me esquecimento em travessas! Quero comer o abandono da vida! Quero perder o hábito de gritar para dentro. Arre, já basta! Não sei o quê, mas já basta… Então viver amanhã, hein?... E o que se faz de hoje? Viver amanhã por ter adiado hoje? Comprei por acaso um bilhete para esse espectáculo? Que gargalhadas daria quem pudesse rir! E agora aparece o eléctrico — o de que eu estou à espera — Antes fosse outro… Ter de subir já! Ninguém me obriga, mas deixá-lo passar porquê? Só deixando passar todos, e a mim mesmo, e à vida… Que náusea no estômago real que é a alma consciente! Que sono bom o ser outra pessoa qualquer… Já compreendo porque é que as crianças querem ser guarda-freios… Não, não compreendo nada… Tarde de azul e ouro, alegria das gentes, olhos claros da vida…
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1930
In Poesia
, Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
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