Poeta
Canta, avezinha, uma canção bonita,
Não sobre o presente;
Nem sobre o futuro que ainda dormita
No castelo das horas onde o tempo habita,
Tão longinquamente.
Canta uma canção do que foi passado
E foi teu anelo,
Uma canção à qual só treinado
O coração que amar tem recusado
O que apenas belo.
Ave
Jovem, muito nova, foram-me buscar
Às árvores e vales;
Chora comigo — não as posso lembrar
Senão em vago, ansioso pensar:
Cantarei meus males?
Poeta
Canta, avezinha, canta essa canção —
Nada mais querido —
Vinda do espírito que suspira em vão
Não pelo passado em desolação,
Mas p’lo não havido.
Canta, avezinha, canta esses trinados;
Pudesse eu cantar
Os sons que recordo, mas nunca escutados,
Desejos que à alma chegam avivados
Até magoar.
Ave
Soltar esse canto p’ra mim é imenso;
Tenta tu cantar!
Canto ao dia claro e ao sol intenso
E quando, à noite, o luar é tão denso
Que te faz chorar.
Mas tu que cantas em dor, a sofrer,
Tua voz é apta
P’ra dizer o anseio que te vem encher,
Angústia impossível de descrever,
Dela a sombra vaga.
Poeta
Cantemos, ó ave, cada momento Um canto de agora,
Vindo do nosso comum sentimento
De que o que morre ou se vai perdendo
Não se vai embora.