(Rimsky Korsakov)
Conta-me contos até não haver
Mais em mim que morrer...
Até que num espaço entre vida e morte
Se passe a minha sorte...
Conta-me contos, lendas, suaves, tanto
Que seja(m) uma só cousa
Elas e o seu indefinido encanto...
Conta-me contos como sequiosa
E que ao ouvir-te eu deixe
De ter □
Não tenha já casa, nem □, nem pais,
A vida é real de mais,
Mas, tu contando, morre tudo; fica
Só a tua voz rica
De contar tanta seda e pedraria
À minha alma que □ se extasia...
Ah, conta, conta, e a vida esqueça em tudo!
Conta, meus gestos tragam o veludo
De serem só inadequadamente...
Conta... E que ouvindo-te, sem querer,
Como uma música que vem, meu ser
Passe de pertencer ao mundo vão
E fique a ser eternamente
Uma figura num conto teu
Qualquer cousa em teu mundo
Viva só na tua imaginação.
Ah, mais vale sonhar estar-te ouvindo
Que ouvir-te! Conta... Vindo
De ti, os contos passam devagar
E a sua pompa é todo o céu e o ar...
Conta... O silêncio abre alas de cetim
Do teu conto até mim...
Um séquito de sombras é de prata
No que em ti se desata
De pertencer-te e vem até aos dedos
Com que desfolhas esses vãos segredos...
O sultão escutava-te eu a ouvir...
Ouvi a tua voz só por possuir
O sentido suposto do teu conto...
Tudo era a música que te narrava...
As tuas figuras □
Scheherazad — quantas cousas
Ficaram por contar que tu contaste...
□ espaço deixado em branco pelo autor