MOTE

Coifa de beirame
namorou Joane.

VOLTAS PRÓPRIAS

Por cousa tão pouca
andas namorado?
Amas a toucado
e não quem o touca?
Ando cega e louca
por ti, meu Joane;
tu, pelo beirame.

Amas o vestido?
És falso amador.
Tu não vês que Amor
se pinta despido?
Cego e perdido
andas por beirame;
e eu por ti, Joane.

Se alguém te vir,
que dirá de ti?
Que deixas a mi
por cousa tão vil!
Terá bem que rir,
pois amas beirame,
e a mim não, Joane.

Quem ama assi
há-de ser amada;
ando maltratada
d'amores por ti.
Ama-me a mi
e deixa o beirame,
que é razão, Joane!

A todos encanta
tua parvoíce;
de tua doudice
Gonçalo se espanta
e, zombando, canta:
«Coifa de beirame
namorou Joane!»

Eu não sei que viste
neste meu toucado
que tão namorado
dele te sentiste.
Não te veja triste:
ama-me, Joane,
e deixa o beirame!

(Joane gemia.
Maria chorava;
assi lamentava
o mal que sentia.
Os olhos feria,
e não o beirame
que matou Joane.)

Não sei de que vem
amares vestido,
que o mesmo Cupido
vestido não tem.
Sabes de que vem
amares beirame?
Vem de ser Joane.

Luís Vaz de Camões
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