Lanço a primeira pedra do teu corpo! Construo
teus pés pequenos, capazes de longas caminhadas nos carreiros [selvagens da vida
e acrescento-lhes as pernas feitas de naturalidade e de surpresa,
a flor de húmidas pétalas abertas onde repousará o meu desejo,
o torso onde nascem curvas e harmonias desplanificando a solidão,
os artelhos, as ancas, as espáduas, pormenores
que inutilizam para sempre a magia do invisível...
arquitectura de carne jovem onde os olhos
serão janelas rasgadas, recebendo e transmitindo a luz,
e a boca sorverá o húmus de outros lábios
— comutador que fará abrir-se-lhe o corpo em qualquer tempo.
Tua nudez cobre-se de frio no orvalho que envolve a homenagem da [noite
enquanto a cidade se evapora em nuvens baixas...
Não te coloco, rosa intocável, sobre o muro
mas sim nos caminhos quotidianos onde a poeira avança
e o vento range contra as árvores como se as não amasse...
coloco-te no pequeno barco solitário que devassa oceanos
e em todos os lugares de perigo e escravidão do nosso tempo,
para que avalies os corações diferentes sob as peles semelhantes, pressintas a inutilidade do desespero e da piedade
e caminhes sem lágrimas entre as casas incendiadas na batalha.
Lanço a primeira pedra do teu corpo. Aguardo
que um dia o sonho falando a linguagem do infinito
se transforme em bailarino e dance no teu leito.
Poderás então encontrar-me como por acaso
e ser desflorada e viva nos meus braços;
poderás escolher a aliança em oiro puro
e gravar-lhe uma data verdadeira;
poderás traduzir os pensamentos em linguagem corrente
e esquecê-lo sem risco, em qualquer bancoi.
Não haverá necessidade de homenagear o indecifrável
pois estará muito longe e absurdo
discursando para o côncavo das trevas.
Construo-te e volto as tuas pupilas para mim,
pois nascerás em Sagitário e em Júpiter
e no regresso da viagem que te entrego
não haverá neblina, mas a manhã aberta...
não haverá olhos vidrados nos escombros
— tudo o que aconteça estará identificado com a ode a escrever
onde se cante o êxtase, a inundação de pássaros,
o tratado de paz e a queda definitiva dos enigmas.