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Porque esqueci quem fui quando criança? Porque deslembro que então era eu? Porque não há nenhuma semelhança Entre quem sou e fui? A criança que fui vive ou morreu? Sou outro? Veio um outro em mim viver? A vida, que em mim flui, por que é que flui? Houve em mim várias almas sucessivas, Independentes, vivas? Ou sou um só inconsciente ser?
Ser consciente é talvez um esquecimento. Talvez pensar um sonho seja, ou um sono. Talvez dormir seja, um momento, Voltar o ‘spírito nosso a ser sem dono; Talvez que, ao despertar, adormeçamos, Tudo é talvez Seu próprio invés, E o contrário de tudo o que pensamos.
Quem me diz que o rochedo bruto e quedo Não é o verdadeiro consciente — O êxtase perene de uma mente Que deixa o corpo hirto ser rochedo?
Talvez tudo isto que é orgulho nosso — O discurso, □ a razão Essa flor □ a imaginação E a intuição, tenuíssimo colosso, Desvios, sonos, ilusões não são?
Só a morte o diz — mas quem me diz que o diz?
□ espaço deixado em branco pelo autor
In Poesia 1931-1935 e não datada
, Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006
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