Para que navegar entre os rochedos quedos
No silêncio do mar prateando e arfando do luar?
Para que não descansar entre os quedos rochedos
Paradas as naus, a ouvir os segredos
Da melodia dolente e enlanguescente do mar?...
Dorme um luar macio, sombrio □ e cálido
Sobre o murmário profundo do mundo na solidão
Nas terras ao longe o alvor da noite é pálido
E o nosso canto desce e desfalece inválido
Do que pode ser vida no □ da ilusão.
Todo o mal é ignorar o lugar e deixar-se ir na ida
Da alma à mudança e à dor ansiosa de partir
E em cada vez que se avança mais só o ardor da partida
Cada vez mais ansiamos por um novo lugar da vida
Para quê se tudo é o mesmo? Mais nos valera dormir.
Mais nos valera ao luar sombrio e silencioso
Ter o esquecimento de estar aqui e o saber;
Ter o sonho por vida e ter o percurso ocioso
Do sonho por vida e sem despedida no mesmo dormente gozo
Viajar eternamente sem se ter que ser ou morrer.
Se vem da alma o ardor e a dor de ir, e no fundo
Silêncio achar a ilusão em cada lugar do mundo
De que pode outro lugar a dita dar e o amor?
Se vem da alma viaja a alma — o mar é profundo
E o seu embalar faz a alma sonhar e ser um gozo a dor...
Só os jardins da terra desgostam — os jardins de sonho
Têm a perfeição que nada de real tem...
Só os palácios sonhados não têm o □ tristonho
Do homem e imperfeição de ser. Só é sempre risonho
O sol que se sonha eterno num ideal crepúsculo além...
Deixai-nos pois embalar nos nossos cantos. Daremos
Às nossas almas os sonhos para que nem o esforço de ter
Que sonhar nos perturbe. Amainai as velas, e aos remos
Deixai-os cair na água deslizados e lentos, nós temos
Mais para alma que o para onde vela e remo nos podem mover...
Deixai-nos dormir e ter-nos por sonho o canto
E o encanto do que cantamos por vivida e sonhada sensação...
Sonho eterno ao luar, sonho de afago e quebranto
Prendei-nos no cantar que cai sobre nós como um manto
E até a morte será no nosso ser sem espanto
Um continuar do sonho, um sonhar-nos sem ilusão...