I
Sim, farei…; e hora a hora passa o dia…
Farei, e dia a dia passa o mês…
E eu, cheio sempre só do que faria,
Vejo que o que faria se não fez,
De mim mesmo em inútil nostalgia.
Farei, farei… Anos os meses são
Quando são muitos — anos, toda a vida,
Tudo … e sempre a mesma sensação
Que qualquer cousa há-de ser conseguida,
E sempre quieto o pé e inerte a mão…
Farei, farei, farei… Sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se mos trouxer de fora.
Quis tudo — a paz, a ilusão, a glória…
Que obscuro absurdo na minha alma chora?
II
Farei talvez um dia um poema meu,
Não qualquer cousa que, se eu a analiso,
É só a teia que em mim teceu
De tanto alheio e anónimo improviso
Que ou a mim ou a eles esqueceu…
Um poema próprio em que me vá o ser,
Em que eu diga o que sinto e o que sou,
Sem pensar, sem fingir e sem querer,
Como um lugar exacto, o onde estou,
E onde possam como sou me ver.
Ah, Mas quem pode ser quem é? Quem sabe
Ter a alma que tem? Quem é quem é?
Sombras de nós, só reflectir nos cabe.
Mas reflectir, ramos irreais, o quê?
Talvez só o vento que nos fecha e abre.
III
Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.