O dia entra no quarto
pela janela fechada
apagando as sombras onde
a alma se ocultava.
Aproximam-se as horas do silêncio
e do ruído, e fico só de novo.
Abro a janela e fecho alguma coisa
(provavelmente a infância) dentro d’alma.
Talvez não passe tudo de memória,
de coisas de que alguém se recordasse,
a minha vida, os dias e as noites,
e a minha própria infância me faltasse.
Talvez eu seja um vago sentimento
mal aflorando o coração d’alguém
à hora breve em que o dia vem
em algum sítio só de pensamento.
Lá fora ouvem-se vozes acordando,
motores em marcha vibram, a luz arde,
e aos poucos a vida vai ficando
sensação e exterioridade.
No quarto ao lado as filhas falam alto.
E dou comigo procurando rimas.
— E a alma? — Mas por esta altura
já tudo e eu próprio somos literatura...