Sempre me queixarei desta crueza
que Amor usou comigo quando o tempo,
apesar de meu duro e triste fado,
a meus males queria dar remédio
em apartar de mim aquela vista,
por quem me contentava a triste vida.

Levara-me, oxalá, com ela a vida,
para que não sentira esta crueza
de me ver apartado de tal vista!
E praza a Deus não veja o próprio tempo
em mim, sem esperança de remédio,
a desesperação de um triste fado!

Porém já acabe o triste e duro fado!
Acabe o tempo já tão triste vida,
que em sua morte só tem seu remédio.
O deixar-me viver é mor crueza,
pois desespero já de em algum tempo
tornar a ver aquela doce vista.

Duro Amor, se pagara só tal vista
todo o mal que por ti me fez meu fado,
porque quiseste que o levasse o tempo?
E também se quiseste, porque a vida
me deixas para ver tanta crueza,
quando em não vê-la só vejo o remédio?

Tu só de minha dor eras remédio,
suave, deleitosa e bela vista!
Sem ti, que posso eu ver senão crueza?
Sem ti, qual bem me pode dar o fado
senão consentir que acabe a vida?
Mas ele dela me dilata o tempo.

Asas para voar vejo no tempo,
que com voar a muitos foi remédio;
e só não voa para a minha vida.
Para que a quero eu sem tua vista?
Para que quer também o triste fado
que não acabe o tempo tal crueza?

Não poderão fazer crueza ou tempo,
força de fado, ou falta de remédio
que essa vista me esqueça em toda a vida.

 

Luís Vaz de Camões
[SEMPRE ME QUEIXAREI DESTA CRUEZA]
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