Águas do claro Lima, que corria
Pera mim, noutro tempo, claro e puro,
Que correr vejo agora turvo, escuro,
Quem afogou em vós minh'alegria?
Cuidei que com vos ver descansaria
Do mal do cativeiro, triste e duro;
Mas mais sem gosto aqui, menos seguro
Me vejo, do que me vi em Berberia.
Mudança vejo aqui em arvoredos:
Creceram muitos, muitos acabaram,
Fez seu ofício em tudo a natureza;
Duas cousas, porém, não se mudaram:
Lugar e duro ser destes penedos,
De vossos naturais teima a dureza.
(Vilancete)
Escapei de cem mil Mouros,
e nesta serra Somata
Ũa só Moura me mata.
VOLTAS
Vede quem dará certeza
A sucessos da ventura.
Pois faz em mim a brandura
O que não fez a crueza:
He tal sua gentileza
Que nesta serra Somata,
Ela he a que só mata.
Quem haverá que não moura
Por esta Moura que mouro,
Se nos seus cabelos d'ouro
O Sol se prende e se doura?
He rosada, alva, e loura.
Não sei se lhe chame ingrata,
Pois hum seu cativo mata.
Certo que, se livre fora
Do cativeiro em que vivo,
A me querer por cativo,
Naõ quisera outra senhora.
Com me matar me namora,
E quando melhor me trata,
Então de todo me mata.
ALHEO
A dor que minha alma sente,
Não a saiba toda a gente
VOLTAS
Ande no peito escondida
Hũa dor taõ desesada,
De mim só seja chorada,
Naõ seja d’ outrem sentida:
Ou me mate, ou me dê vida,
Ou viva triste, ou contente,
Naõ se confie da gente.
Tenho feito juramento
(Porqu’ assi o quis Amor)
De sempre como avarento
Guardar em mim minha dor.
Por me naõ tratar pior
Se disto o contrario sente,
Naõ o saiba toda a gente.
ALHEO
Que vistes meus olhos
Neste bem, que vistes
Que vos vejo tristes?
As vossas lembranças
Naõ vos daõ tormentos,
Nem levaõ os ventos
Vossas esperanças:
Naõ sei que mudanças
Vós de novo vistes,
Que vos vejo tristes.
Que dor, ou que medos
Causaõ vossa dor?
Lagrimas d’ amor
Descobrem segredos:
Eu vos via ledos;
Vós naõ sei que vistes,
Que vos vejo tristes.